UM VÁCUO REPLETO DE DOR E DE SAUDADES
(texto de Jô Drumond)
Certa vez, o escritor Guimarães Rosa disse que “as pessoas não morrem; ficam encantadas”.
Por um triz infortunado, Vicente se foi sem dizer adeus, sem tempo para despedidas. Seguiu caminho involuntário, sem direito de volta, rumo à grande incógnita. Como legado, deixa-nos a alegria contagiante, o exemplo de solidariedade, de amizade e de amor pela vida. Nos ares ainda ressoam suas gostosas risadas. Soube viver intensamente o tempo que lhe foi concedido.
Poucos dias após o seu "encantamento" Pádua e eu recebemos, em Paris, das mãos da chorosa Hélène, uma cópia da foto, tirada minutos antes do trágico acidente.
Na divisa entre Bahia e Piauí, junto a uma placa indicativa do DETRAN, na qual se lê "Divisa de Estados", Vicente faz a última pausa para a última pose. Coloca a mão esquerda na placa, e a direita no reverso da mesma. Inclina a cabeça diagonalmente, em direção ao ponto fronteiriço das duas setas, uma com o vértice voltado para baixo, e a outra, para cima. Tal ponto é abarcado por ele, numa nítida intenção de enfatizar a idéia de limite.
Essa imagem, aparentemente simples, é bastante representativa desse fatídico acontecimento, uma vez que, na simbologia, a seta, em analogia à flecha, tanto pode indicar direção, quanto morte súbita. O verde da imagem (na placa, na vegetação do entorno e na camiseta), também nos remete a uma ambivalência; representa tanto a vida quanto a morte. As antíteses direita/esquerda não se opõem. Representam caminhos ou escolhas nem sempre por nós determinados. Parecem apontar, acima de tudo, para nossa impotência diante da morte. Essa foto registra a fatuidade do instante entre o SER e o NÃO-SER, as lindes entre dois mundos absolutamente distintos e ao mesmo tempo indissociáveis.
Os três aspectos iconográficos acima destacados (a palavra “divisa”, a colocação das mãos em ambos os lados da placa, e o ponto de convergência das setas sobre a cabeça) confluem para a idéia de FRONTEIRA, não apenas na acepção de limite entre Estados (ou seriam estados?), mas também como confins de duas formas: a física e a etérea; de dois tempos: o cronológico e o eterno; de duas dimensões: a vida e a morte; de dois espaços: o Piauí e a imensidão absoluta.
Vicente luziu tal qual um cometa e se foi, deixando um facho de luz em nossas vidas.
UMA ESTRELA QUE SE APAGA NA TERRA BRILHARÁ PARA SEMPRE NO INFINITO
Junho de 2008
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